Minhas caras e meus caros,
Aproveitando a série de artigos sobre o Dia Internacional da Mulher, hoje vamos falar de um assunto muito sério e importante em todo o globo. Diversas mulheres em todos os cantos do mundo sofrem diariamente com discriminação e violência nas diferentes esferas de suas vidas e, geralmente, são sub-representadas nos processos decisórios de questões sociais, políticas e econômicas. Em sociedades com culturas mais tradicionais e conservadoras, meninas são impedidas de terem acesso à educação básica e ao atendimento de saúde necessário. Na maioria dos países, as mulheres ainda possuem dificuldades para se alocar no mercado de trabalho e enfrentam grandes disparidades salariais em relação aos homens que desempenham os mesmos cargos que os seus. Todos esses pontos nos ajudam a enxergar o quanto as desigualdades entre homens e mulheres permanecem profundamente enraizadas nas mais diversas sociedades e como é necessária e urgente a luta pela igualdade de gênero.
No âmbito internacional, a Organização das Nações Unidades (ONU) buscou realizar, durante décadas, algumas ações e medidas para a diminuição das desigualdades de gênero no mundo, dentre as quais se destacam a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) de 1979 e a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, fruto da Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres em 1995. No entanto, a organização sempre enfrentava sérias dificuldades, como financiamento insuficiente e ausência de uma unidade de representação para organizar as atividades desse tema, para dar prosseguimento aos projetos voltados para a promoção da igualdade entre homens e mulheres.
Com o intuito de superar esses desafios, em julho de 2010, a Assembleia Geral da ONU fundou a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres, também conhecida como ONU Mulheres. Baseada no princípio de igualdade consagrado na Carta da Nações Unidas, a instituição trabalha fundamentalmente para eliminar a discriminação contra as mulheres e meninas, empoderar as mulheres e promover a igualdade entre mulheres e homens como parceiros e beneficiários do desenvolvimento, direitos humanos, ação humanitária e paz e segurança. A iniciativa é oriunda da agenda de reforma das Nações Unidas e reúne as atividades da Divisão para o Avanço das Mulheres (DAW), do Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para o Progresso da Mulher (INSTRAW), do Escritório de Assessoria Especial para Questões de Gênero e Promoção da Mulher (OSAGI) e do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) – núcleos distintos do Sistema ONU responsáveis pelos trabalhos sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres anteriormente.
A ONU Mulheres se propõe a atuar para proporcionar voz a mulheres e meninas em nível global, regional e local. Dentre suas principais funções estão o apoio aos organismos intergovernamentais, como a Comissão sobre o Status da Mulher, na formulação de políticas, padrões e normas globais; o auxílio aos Estados-membros a implementar estas normas, com apoio técnico e financeiro adequado para os países que o solicitem e formação de parcerias eficazes com a sociedade civil; e a ajuda ao Sistema ONU na responsabilidade pelos seus próprios compromissos sobre igualdade de gênero, incluindo o acompanhamento regular do progresso do Sistema.
Na ocasião de sua fundação, a instituição contou com a chefia da estadista chilena Michelle Bachelet Jeria, que ocupou o cargo de primeira Sub-Secretária-Geral e Diretora-Executiva da ONU Mulheres.
Formada em Medicina pela Universidade do Chile, Bachelet começou a participar de atividades políticas ainda jovem, tornando-se membro da Juventude Socialista logo no primeiro ano da faculdade e, posteriormente, foi apoiadora ativa da Unidade Popular – aliança política chilena, que apoiou a candidatura de Salvador Allende para a eleição presidencial de 1970. No período de 1975 a 1979, ela viveu em exílio na Austrália e na Alemanha em decorrência do golpe de Estado e início da ditadura Pinochet no Chile (1973-1990).
Ao retornar ao seu país, Bachelet recebeu uma bolsa da Associação Chilena de Medicina para se especializar em Pediatria e Saúde Pública no Hospital Roberto del Río e, durante a década de 1980, ocupou diversos cargos sociais em instituições como a ONG Pidee, que se dedica a prestar ajuda profissional às crianças detidas e vitimadas pelo regime militar de Santiago e Chillán. A partir de 1990, paralelamente ao retorno da democracia no Chile, ela trabalhou no Western Metropolitan Area Health Service, sendo também incorporada à Comissão Nacional Contra a Aids (Conasida). Posteriormente, tornou-se consultora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPS) e trabalhou no Ministério da Saúde chileno em temas relacionados à melhoria da atenção primária e à gestão dos serviços. Em 1996, interessada na reaproximação das esferas civil e militar, ela se especializou em temas relacionados à Defesa Nacional, realizando cursos sobre estratégia militar e defesa continental. Mais tarde, tornou-se conselheira do Ministério da Defesa.
Em março de 2000, Michelle Bachelet tornou-se Ministra da Saúde do governo de Ricardo Lagos Escobar, onde liderou um importante processo de redução do tempo de espera dos atendimentos primários e lançou as bases para iniciar uma reforma do sistema de saúde chileno. Em um processo amplo e participativo que incluiu fóruns de cidadãos e mesas redondas, usuários, empresários, especialistas, acadêmicos, associações profissionais e sindicatos de saúde concordaram e apresentaram a primeira proposta legal para a Reforma dos Direitos e Responsabilidades dos Trabalhadores de Saúde.
Dois anos depois, Bachelet ocupou o cargo de Ministra da Defesa, sendo a primeira mulher a ocupar esta posição no Chile e na América Latina. Sob a sua direção, foram introduzidas importantes alterações no Serviço Militar Obrigatório, reforçou-se o papel do Ministério e do Estado-Maior, melhoraram-se as condições das forças policiais e mais forças de peacekeeping chilenas foram alocadas pelo mundo. Uma das ações de maior destaque foi também a introdução de políticas de gênero destinadas a melhorar a situação das mulheres nas forças armadas e policiais chilenas.
Após conquistar um amplo apoio nas eleições chilenas de 2005, a estadista tornou-se a primeira mulher Presidente da República no Chile, marcando o início de um período em que o governo se concentrou em alcançar mais igualdade e inclusão social. Defensora dos direitos das mulheres há muitos anos, Bachelet sempre advogou a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres ao longo de sua carreira. Um dos maiores sucessos de seu primeiro mandato como presidente (2006 a 2010) foi a decisão de economizar bilhões de dólares em receitas para investir em questões como reforma das pensões, programas de proteção social para as mulheres e crianças e pesquisa e desenvolvimento, apesar da crise financeira vigente no período. Outras iniciativas incluíram triplicar o número de novas creches públicas para famílias de baixa renda e concluir cerca de três mil e quinhentas creches em todo o país.
Em setembro de 2010, o então Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, nomeou Michelle Bachelet como a primeira diretora da recém-criada ONU Mulheres. Nesta função, ela dedicou integralmente o seu trabalho à promoção do aumento da participação política e do empoderamento econômico das mulheres e à luta para pôr fim à violência contra as mulheres em nível mundial. Na atuação internacional, Michelle também assumiu o cargo de Presidente do Grupo Consultivo do Piso de Proteção Social, iniciativa conjunta da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) que promove políticas sociais que estimulam o crescimento econômico e a coesão social. Sob sua liderança, o Conselho publicou um relatório intitulado “Piso de Proteção Social para uma Globalização Justa e Inclusiva”, que atualmente serve de guia para as Nações Unidas nesta matéria, em 2011.
No início de 2013, Bachelet optou por retirar-se da direção da ONU Mulheres para retornar ao Chile e disputar, novamente, as eleições presidenciais. Na ocasião, o Secretário-Geral Ban Ki-moon expressou sua “enorme gratidão por seu excelente serviço” como Diretora Executiva da instituição. “Michelle Bachelet foi a pessoa certa no lugar certo na hora certa”, disse Ban em um comunicado. “Sua liderança visionária deu à ONU Mulheres o início dinâmico que precisava. Seu destemor na defesa dos direitos das mulheres levantou o perfil global desta questão fundamental. Sua unidade e compaixão lhe permitiu mobilizar e fazer a diferença para milhões de pessoas em todo o mundo”, completou o Secretário-Geral.
Nas últimas eleições chilenas, Bachelet foi reeleita presidente e tornou-se a primeira pessoa a ocupar o cargo do Executivo em seu país duas vezes, em eleições diretas, desde 1932. A vigência de seu segundo mandato possui previsão de conclusão no final de 2018.
Fontes:
ONU Mulheres (unwomen.org)
Governo do Chile (web.archive.org/web/20160609080035/http://www.gob.cl/presidenta-2/)