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Entrevista com o Embaixador e Historiador Luís Cláudio Villafañe

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Prezadas e prezados,

Em setembro deste ano, foi lançado o livro “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco”, a mais recente biografia de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912) – o patrono da diplomacia brasileira –, produzido pelo historiador e diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos. A obra, que possui mais de 500 páginas, é resultado de uma extensa pesquisa realizada pelo autor, ao longo de mais de dez anos, e se difere bastante das biografias tradicionais. Isso porque além da notória atuação pública e do imenso legado do Barão para o pensamento diplomático brasileiro, o livro apresenta diversos detalhes da sua vida pessoal e, assim, traça um perfil mais realista desse grande personagem da nossa história.

No último dia 12 de dezembro, essa publicação inédita recebeu da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) o prêmio de melhor livro de 2018, na categoria Biografia/Autobiografia/Memória.

Além da nova biografia, Villafañe tem outros dois livros publicados sobre o Barão do Rio Branco – O Evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira, de 2012, e O Dia em que Adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil, de 2010. Ademais, o historiador já foi examinador da prova de História do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) e é autor de uma série de livros sobre a história da política externa brasileira, que são usados no Curso de Formação dos diplomatas brasileiros, no Instituto Rio Branco (IRBr). Atualmente, ocupa o posto de Embaixador e chefe da missão diplomática brasileira na Nicarágua.

Em virtude desta admirável bagagem, convidei o caríssimo Luís Cláudio para dois dedos de prosa sobre sua experiência como pesquisador, biógrafo e diplomata. Muito gentilmente, ele aceitou o convite e veio compartilhar conosco mais alguns aspectos e detalhes acerca do seu novo livro e também da sua trajetória no Ministério das Relações Exteriores, desde que ingressou na carreira até os dias de hoje. Vejam a conversa completa a seguir e façam proveito, meus caros!

 

Além da recém-lançada biografia do Barão, o senhor já publicou outros livros e diversos artigos sobre a vida e a carreira do patrono da nossa diplomacia. Como esse grande interesse no tema surgiu?
Luís Cláudio Villafañe – Na verdade, em 2010 lancei um livro sobre a relação entre a política externa e a construção da nação no caso brasileiro. O livro tinha uma proposta muito mais centrada em uma discussão teórica. Mas, por sua importância para a diplomacia e para a construção do discurso de política externa, a atuação de Rio Branco tem um papel incontornável nesse debate e acabei, inclusive, intitulando o livro “O Dia em que Adiaram o Carnaval”. O episódio, naquela época, estava meio esquecido e o livro ajudou a popularizar essa história dos dois carnavais de 1912.
A partir daí passei a ser solicitado a escrever mais sobre o Rio Branco e no ano do centenário da morte fui o curador da exposição oficial “Rio Branco: 100 anos de memória” e acabei por publicar, também em 2012, um pequeno ensaio sobre a obra do Rio Branco: “O Evangelho do Barão”.
O passo seguinte, uma biografia de fôlego, ainda que muito trabalhoso, foi em grande medida uma evolução natural.

Ao longo de dez anos pesquisando sobre o Barão do Rio Branco, qual foi a informação mais surpreendente desse período de pesquisa?
L. C. V. – O interessante dessa pesquisa – como em geral de todas pesquisas – é como sua visão vai mudando e sua perspectiva vai se sofisticando ao longo do processo. Na questão das relações com os Estados Unidos, por exemplo, parti de uma interpretação que era a moeda corrente, essa história da “aliança não escrita”, mas hoje possuo uma postura muito crítica a essa ideia.
A centralidade absoluta do Tratado de Petrópolis na obra diplomática de Rio Branco é outro exemplo. No “Juca Paranhos” fica claro que a negociação com o Peru foi duríssima e muito complicada e que a questão do Acre não pode ser analisada sem a compreensão da interligação das discussões de fronteira Brasil-Bolívia-Peru, tomadas como um conjunto e não apenas par a par.
Fatos curiosos e informações, senão inéditas, mas pelo menos esquecidas houve também muitos ao longo da pesquisa: o tratado secreto com o Equador, o “genro espião”, etc. Dei boas risadas em alguns casos.
Enfim, o “Juca Paranhos” é um livro inovador em muitas interpretações e muito rico em informações factuais, além de uma leitura divertida, pois traz histórias ótimas desse grande personagem que é o Barão.

Qual foi a sua principal motivação para escrever uma nova biografia do Barão?
L. C. V. – Como disse anteriormente, acabou sendo uma evolução natural das leituras e pesquisas que venho desenvolvendo. Estou sempre com algum livro em preparação e vários em projeto.

Na sua visão, qual foi a maior contribuição do Rio Branco para o desenvolvimento da política externa brasileira, que persiste até os dias de hoje?
L. C. V. – Rio Branco deu um conteúdo bem definido e estruturou o discurso de política externa no início da República. Seu sucesso fez com que muitos de seus sucessores até recentemente – e, em alguma medida, até hoje – usem a legitimidade que ele alcançou para justificar suas políticas, algumas inclusive que, se bem examinadas, nada tem a ver com as do Barão.
Porém, mais importante do meu ponto de vista, é a lição de que as saídas “fáceis” para questões de política externa podem ter repercussões imensamente deletérias e criar embaraços persistentes.
Veja o caso do Acre. Tomar o território militarmente ou impor uma solução humilhante para a Bolívia teria sido relativamente simples – e o Barão foi duramente atacado pelas concessões que fez. O resultado teria sido um contencioso que se arrastaria no tempo, com uma contaminação interminável das relações bilaterais. O Rio Branco acabou por compor uma solução com a Bolívia e o Peru que permitiu que não ficassem pendências políticas nem ressentimentos paralisadores.

Atualmente, o senhor ocupa o posto de Embaixador na Nicarágua. Qual a importância da América Central para a diplomacia brasileira?
L. C. V. – Todos os países americanos são, em alguma medida, importantes para o Brasil. Naturalmente, a América do Sul e as relações com os Estados Unidos são cruciais, mas tudo não deixa de ser um conjunto e em política externa as coisas não acontecessem isoladamente.

Quais são os principais desafios da política internacional contemporânea, e qual a responsabilidade do diplomata no enfrentamento dessas adversidades?
L. C. V. – A pergunta é excessivamente ampla. O mundo vive uma etapa de rápidas transformações tecnológicas, políticas, econômicas, etc. Os Estados continuam a ser o ator mais importante na gestão de muitos dos problemas que hoje afetam a todos e as diplomacias são o instrumento para se chegar a acordos, seja entre países bilateralmente, seja em nível global. A diplomacia hoje é mais importante do que nunca porque é através dela que os problemas globais se podem encaminhar e estes são maiores do que nunca.

Quando o senhor decidiu que seria diplomata? O que o motivou na época? E o que o motiva atualmente?
L. C. V. – Foi uma escolha um pouco arbitrária. Tinha estudado engenharia, geologia e estava cursando geografia. Depois que entrei para o Instituto Rio Branco fiz o mestrado e doutorado em história, além de uma pós em ciência política. A diplomacia acolhe bem pessoas com interesses diversos e é intelectualmente estimulante – e uma vida interessante, apesar (ou talvez por causa) de suas peculiaridades.

Qual foi o momento mais desafiador da sua carreira? E o mais compensador?
L. C. V. – O maior desafio é o momento em que vivo hoje, como Embaixador em um país que está passando por uma forte crise política, com centenas de mortos e milhares de feridos. A evolução da situação ainda é incerta, mas creio que a Nicarágua vive um momento histórico muito importante.

Se estivesse começando a estudar para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, qual conselho gostaria de receber?
L. C. V. – Ter tranquilidade, sem deixar de se dedicar aos estudos. Procurar, além de cobrir os pontos do extensíssimo programa, fazer boas leituras sobre qualquer tema. Ler é o melhor caminho para pensar, expressar-se e escrever bem. E, além de tudo, uma boa leitura é prazerosa.

 


 

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Conversas sobre Diplomacia | Embaixador Luís Cláudio Villafañe
Palestra do Embaixador e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos sobre o seu livro “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco”, em evento realizado pelo Clio e o Ibmec no dia 25 de setembro.

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