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Baronesa do Mês: Maria José Rebello Mendes

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Minhas caras e meus caros,

Os concursos para a carreira diplomática sofreram diversas mudanças a partir da década de 1940. A autorização para candidatas mulheres participarem, por exemplo, foi uma questão que passou por avanços e retrocessos ao longo dos anos. Esse tema já havia entrado em discussão antes mesmo das seleções começarem a ser alteradas oficialmente. De acordo com o registro da embaixadora Thereza Quintella (2002), no início do século XX, havia três categorias funcionais distintas no Ministério das Relações Exteriores (MRE): oficial da Secretaria de Estado, membro do Corpo Consular e membro do Corpo Diplomático, cada uma contando com um concurso próprio. Em 1918, a primeira colocação do concurso da Secretaria de Estado foi ocupada pela nordestina Maria José de Castro Rebello Mendes, a primeira diplomata brasileira.

Diante desse pioneirismo importantíssimo, Maria José é a nossa grande homenageada do mês! Conheçam mais sobre a bela história de sua vida e sua carreira a seguir.

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Filha de Josefina de Castro Rebelo Mendes e do advogado Raimundo Martins Mendes, Maria José nasceu em 20 de setembro de 1891 na cidade de Salvador, Bahia. Quando criança, ela teve a formação elementar em casa pela educadora alemã Matilthe Schröeder e, depois, ingressou no Colégio Alemão, onde se formou com fluência nas línguas alemã, inglesa, francesa e italiana. Em meados dos anos 1910, após o repentino falecimento de seu pai, a situação financeira da família ficou difícil e Maria foi morar com parentes no Rio de Janeiro, onde continuou a estudar e começou a dar aulas particulares.

Ao tomar conhecimento do concurso para o Itamaraty por meio de um primo, Maria decidiu inscrever-se para concorrer à vaga de terceira escriturária. Como já possuía conhecimento aprofundado nas línguas estrangeiras, ela se empenhou nos estudos das matérias que não tinha tanta familiaridade. Passou a frequentar a Escola de Comércio para se aperfeiçoar em Datilografia, Contabilidade e Economia e estudou por conta própria as matérias de Direito. No entanto, apesar de todo esse esforço, seu pedido de inscrição no processo seletivo não foi aceito pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE).

A futura diplomata, porém, não se deixou desanimar. Para ajudá-la, seus familiares pediram auxílio ao jurista Rui Barbosa para examinar a recusa atenciosamente, à luz da legislação da época, e o caso ganhou repercussão em todo o Brasil. Sensibilizado com a história de sua jovem conterrânea, Rui elaborou um parecer argumentando a inconstitucionalidade da negativa do Ministério, salientando que a expressão “todos os brasileiros” do artigo 73 da Constituição de 1891 não era excludente das mulheres, mas abrangia todos os sexos. A partir disso, o então Ministro das Relações Exteriores Nilo Peçanha voltou atrás e deferiu a inscrição da candidata, embora ainda continuasse tratando o caso dela com discurso discriminatório: “Não sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, vide tantos atributos de discrição e competência que são exigidos(…), o que não posso é restringir ou negar o seu direito… Melhor seria, certamente, para o seu prestígio que continuassem a direção do lar, tais são os desenganos da vida pública, mas não há como recusar sua aspiração, desde que fiquem provadas suas aptidões”.

Maria José teve um desempenho brilhante no concurso, sobretudo em Alemão e Direito Internacional, matérias nas quais obteve um destaque extraordinário. Ela realizou a prova oral, que fazia parte da seleção na época, em sessão aberta ao público e lotada, discorrendo com firmeza sobre todos os assuntos propostos pela banca. Com efeito, em setembro de 1918, a jovem conseguiu se classificar em primeiro lugar para o cargo que disputava e passou a compor o corpo diplomático do MRE.

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O caso foi amplamente comentado pela imprensa daquele tempo e Maria José foi tanto apoiada e elogiada como também criticada. Os jornais se dividiram sobre o assunto: enquanto uns defendiam o direito dela e das mulheres em geral de ocupar cargos públicos, outros criticavam severamente o precedente aberto por Nilo Peçanha. Na edição de 26 de setembro de 1918 do Jornal do Brasil, o jornalista Carlos de Laet fez comentários a favor do desfecho do caso e noticiou as manifestações públicas de apoio a Maria José organizadas pela feminista Leolinda de Figueredo Daltro, fundadora do Partido Republicano Feminino, e suas colaboradoras. A Revista Feminina também se pronunciou em defesa da nova diplomata:

“Um bravo a D. Marietta Mendes [apelido de Maria José]… um bravo a todas as mulheres que, concisas de seu papel que deverão representar neste século, sabem desprezar a ironia sempre tola e muitas vezes idiota dos que procuram fazer espírito com o que de mais alto e mais sagrado há no seio de cada povo: o coração da mulher, o relicário de todos os heroísmos e de todas as abnegações.”

Já o vespertino carioca A Rua manifestou preocupação com o que chamou ”feminismo no Brasil” e “marcha do feminismo no Itamarati” e publicou uma carta do militar Turíbio Rabioli criticando ferozmente Carlos de Laet e indagando aos outros leitores o que sucederia em termos de autoridade no lar se uma funcionária pública viesse a se casar com outro funcionário, inferior na hierarquia. Dizia ainda que os defensores da jovem baiana nada mais desejavam do que “masculinizar o belo sexo”.

Alheia a toda essa polêmica, Maria assumiu as funções do serviço diplomático no Itamaraty e trabalhou normalmente, sem chamar mais atenção por ser mulher. Em 1922, casou-se com outro diplomata: Henrique Pinheiro de Vasconcelos, que fez parte da banca para qual ela teve que se apresentar para passar no concurso. Logo após o casamento, seu marido foi indicado para a representação brasileira na Alemanha e Maria José solicitou licença no MRE para acompanhá-lo. Após um ano, o casal retornou ao Brasil, onde viveram por mais dez anos e tiveram cinco filhos – um deles, Guy, também seguiu a carreira diplomática.

Em 1934, Maria José solicitou sua aposentadoria, pois Henrique havia sido nomeado para o cargo de conselheiro da embaixada brasileira na Bélgica. Na época, por determinações administrativas, era proibido que uma mulher diplomata assumisse um cargo na mesma representação que seu marido. Dois anos depois, em 29 de outubro, Maria José veio a falecer com apenas 45 anos, no Rio de Janeiro.

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A trajetória de Maria José foi fundamental para o avanço dos direitos das mulheres na carreira de diplomata. Entre 1919 e 1938, mais dezenove mulheres ingressaram no serviço diplomático brasileiro. No entanto, em 1938, com a reforma do chanceler Osvaldo Aranha, que unificou as carreiras consular e diplomática, tivemos um grande retrocesso: foi declarada como proibida a entrada de mulheres para cargos no Ministério das Relações Exteriores e definiu-se que o concurso passaria a ser privativo para homens, sob justificativas como, por exemplo, a dificuldade de se trabalhar em postos de alto risco.

O quadro mudou apenas em 1953, quando Maria Sandra Cordeiro de Melo teve que entrar com uma liminar na justiça para conseguir prestar o concurso para o Instituto Rio Branco (IRBr) – instituição que forma os (as) diplomatas brasileiros (as). Esta medida fez com que finalmente, em 1954, o Congresso Nacional aprovasse uma lei que garante a liberdade de acesso das mulheres às carreiras na diplomacia brasileira. Outros obstáculos jurídicos que prejudicavam a presença feminina no Itamaraty foram removidos ao longo do século XX, entre eles a proibição de casamento entre diplomatas e servidores públicos e a obrigatoriedade da chamada “agregação” para acompanhar cônjuge em missões no exterior, que, na prática, obrigava mulheres diplomatas a licenciar-se para acompanhar maridos também diplomatas.

Atualmente, existe o Comitê Gestor de Gênero e Raça (CGGR) no Ministério das Relações Exteriores. Criado em 2014, o órgão possui caráter permanente e consultivo e tem a função de coordenar programas e políticas voltadas à promoção da efetiva igualdade de oportunidades entre homens e mulheres de todas as etnias no âmbito do ministério.

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Como homenagem e reconhecimento da importância de Maria José Mendes para a diplomacia brasileira, a turma 2004-2006 do Curso de Formação do Instituto Rio Branco a escolheu como patronesse na ocasião de sua formatura, em 2007. Durante o Discurso da Oradora, a formanda Daniella de Araújo justificou a escolha com uma importante reflexão: “A luta das mulheres no Brasil, e em todo o mundo, é um dos melhores exemplos da busca por valores que nos levem ao encontro de uma sociedade mais justa e mais igualitária”.

 

FONTES:
SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.
www.itamaraty.gov.br/pt-BR/sem-categoria/14063-as-mulheres-na-diplomacia-brasileira
funag.gov.br/loja/download/861-Diplomata._Substantivo_comum_de_dois_generos.pdf
casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/k-n/FCRB_RejaneMagalhaes_Presenca_Feminina_no_Itamarati.pdf
asminanahistoria.wordpress.com/2015/12/01/a-primeira-diplomata-do-brasil-maria-jose-rebelo-mendes/

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