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João Guimarães Rosa: meio século de saudade

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Publicado em agosto de 2017 | Atualizado em junho de 2021

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Minhas caras e meus caros,

Em novembro deste ano, completam-se cinquenta anos da partida de um querido amigo da nossa literatura e diplomacia. João Guimarães Rosa foi uma das personalidades mais influentes do meio intelectual brasileiro no século XX e, consequentemente, um autor cujos textos aparecem com frequência nas provas de diversos processos seletivos, sobretudo no CACD. A fim de prestar-lhe uma singela homenagem e ressaltar a importância do seu trabalho, hoje, vamos conhecer um pouco mais sobre a história deste grande personagem!

Guimarães Rosa nasceu em 27 de junho de 1908 na cidade de Cordisburgo, Minas Gerais, sendo o primeiro dos seis filhos de Florduardo Pinto Rosa e de Francisca Guimarães Rosa. Aos seis anos, já demonstrava facilidade com os idiomas e conseguia realizar leituras em francês. Pouco tempo depois, ele se mudou para Belo Horizonte e continuou sua formação acadêmica no Colégio Arnaldo, escola de origem germânica onde estudaram figuras como Carlos Drummond de Andrade e Messias Pereira Donato. Graduou-se em Medicina pela Universidade de Minas Gerais, em 1930, e tornou-se capitão médico, por concurso, da Força Pública do Estado de Minas Gerais. Porém, exerceu a profissão somente por quatro anos, até decidir prestar o concurso para o Itamaraty em 1934, sendo aprovado em segundo lugar.

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Guimarães Rosa, chefe da Divisão de Fronteiras do Itamaraty

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O diplomata

Após a aprovação no certame para a carreira de diplomata, Guimarães Rosa foi nomeado Cônsul de Terceira Classe em julho de 1934 e, no final de 1937, foi promovido a Cônsul de Segunda Classe. Sua remoção para o Consulado do Brasil em Hamburgo ocorreu logo no ano seguinte. Em seu novo posto, ele e sua esposa, Aracy de Carvalho, ofereceram auxílio para que judeus pudessem escapar do regime nazista rumo ao Brasil, de 1938 a 1942, autorizando um número maior de vistos do que aqueles legalmente permitidos durante o Governo de Getúlio Vargas. Devido a esse feito, Aracy foi homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, no Yad Vashem, que é o memorial oficial de Israel para lembrar as vítimas do Holocausto.

Essa histórica atuação do diplomata é retratada no documentário “Outro Sertão”, que revela aspectos do período em que Rosa foi vice-cônsul em Hamburgo, por meio de imagens de arquivo, testemunhos de pessoas que o conheceram e de judeus que ele e sua futura esposa Aracy ajudaram a salvar, além de uma entrevista inédita com o próprio escritor, feita por uma TV alemã, em 1962. O filme foi dirigido por Adriana Jacobsen e Soraia Vilela e recebeu o Prêmio Especial do Júri, no 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em 2013.

Após sua atuação na Alemanha, o diplomata trabalhou em diversos postos até retornar definitivamente ao seu país de origem. Exerceu a função de secretário de embaixada em Bogotá, Colômbia de 1942 a 1944, e foi chefe de gabinete do ministro João Neves da Fontoura em 1946. Seu destino posterior foi Paris, onde ocupou os cargos de primeiro-secretário e conselheiro de embaixada (1948-51); secretário da Delegação do Brasil à Conferência da Paz (1948); representante do Brasil na Sessão Extraordinária da Conferência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) (1948) e delegado do Brasil à IV Sessão da Conferência Geral da Unesco (1949).

De volta ao Brasil, em 1951, Guimarães Rosa foi nomeado novamente chefe de gabinete do ministro João Neves da Fontoura. Dois anos depois, tornou-se chefe da Divisão de Orçamento e foi promovido a ministro de primeira classe. Em 1962, ele assumiu a chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras.

Uma excelente análise da atuação diplomática do autor mineiro foi feita pela diplomata e pesquisadora Heloísa Vilhena de Araújo no livro “Guimarães Rosa: Diplomata”, com base numa minuciosa pesquisa nos arquivos do Itamaraty e junto a pessoas que conheceram e serviram com o Embaixador. Segundo Heloísa, logo na leitura inicial dos primeiros documentos, salta à vista uma atitude básica diante da vida e do trabalho: a atitude do homem justo, conforme descrita por Platão na República, no Sofista e no Político. A escritora também destaca que Guimarães Rosa foi um profissional de atitudes simples e humanas, além de possuir “um real desligamento no que se refere à posse de bens materiais e vantagens”. O trecho abaixo do livro expressa bem essa qualidade:

“De acordo com depoimento do Ministro Arthur Gouvêa Portella, que serviu com Guimarães Rosa na Divisão de Fronteiras e substituiu-o na Chefia, após sua morte, seu chefe não usava o carro oficial a que tinha direito. Só no último ano de sua vida passou a usá-lo, nas idas e vindas do Itamaraty, por insistência do então Chefe do DA, Embaixador Antônio Francisco Azeredo da Silveira. Fazia suas minutas à máquina; muitas vezes ia pessoalmente entregá-las quando havia urgência, dispensando o contínuo; evitava fazer expedientes para assuntos que podia resolver oralmente sem prejuízo para a documentação do arquivo. Nos momentos de muito trabalho, “esquecia de ir para casa”, nas palavras do Senhor Tenente Raymundo Alberto Faria de Araújo, encarregado do arquivo do Serviço de Demarcação de Fronteiras: na redação da nota nº 92 à Chancelaria paraguaia, por exemplo, Guimarães Rosa e o Senhor Faria de Araújo passaram dois dias e uma noite no Itamaraty.”

Nas palavras de Heloísa Vilhena, Guimarães Rosa não seria Guimarães Rosa se não tivesse sido diplomata: ele é, na verdade, o resultado de várias experiências de vida e não um substrato, já pronto, sobre o qual se desenrolam tais experiências.

Outro material de ouro que nos permite conhecer mais esse grande personagem da diplomacia brasileira é a famosa entrevista que ele concedeu ao crítico alemão Günter Lorenz em 1965. Foi nessa ocasião que o autor fez uma de suas mais conhecidas declarações sobre a profissão cosmopolita:

“… um diplomata é um sonhador e por isso pude exercer bem essa profissão. O diplomata acredita que pode remediar o que os políticos arruinaram. (…) e também por isso mesmo gosto muito de ser diplomata. (…) Mas eu jamais poderia ser político com toda essa constante charlatanice da realidade.”

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O escritor

A atuação literária de João Guimarães Rosa iniciou-se ainda antes da diplomática. Em 1929, ele publicou o conto “O mistério de Highmore Hall” na revista O Cruzeiro. Em 1936, foi publicado seu primeiro livro, chamado “Magma”, que recebeu o Prêmio Academia Brasileira de Letras e demonstrou o talento para a escrita que o tornaria conhecido mundialmente. Sua vocação para a literatura também podia ser observada em seus relatórios de trabalho no Itamaraty: a forma como escrevia e a linguagem utilizada já permitiam perceber a qualidade literária do autor.

A publicação do livro de contos Sagarana, em 1946, concedeu-lhe um privilegiado lugar de destaque no âmbito da literatura brasileira, pela linguagem inovadora, a singular estrutura narrativa e a riqueza de simbologia dos seus contos. Essa obra colocou o regionalismo em pauta novamente, porém com um novo significado e assumindo a característica de experiência estética universal.

Em 1952, Guimarães Rosa fez uma longa excursão a Mato Grosso e escreveu o conto “Com o vaqueiro Mariano”, que, atualmente, integra seu livro póstumo “Estas estórias” (1969), sob o título “Entremeio: Com o vaqueiro Mariano”. A principal importância dessa experiência foi colocar o autor em contato com os cenários, os personagens e as histórias que ele iria recriar mais tarde, em “Grande sertão: Veredas”. É o único romance escrito por Guimarães Rosa e um dos mais importantes textos da literatura brasileira. Publicado em 1956, mesmo ano da publicação do ciclo novelesco “Corpo de baile”, “Grande sertão: Veredas” já foi traduzido para muitas línguas. Sua leitura e interpretação, no entanto, podem constituir um constante desafio para os leitores por tratar-se de uma narrativa onde a experiência de vida e a experiência de texto se mesclam.

A produção de Guimarães Rosa inclui oito obras em vida e três publicações póstumas. São elas:

  • 1936: Magma
  • 1946: Sagarana
  • 1947: Com o Vaqueiro Mariano
  • 1956: Corpo de Baile: Noites do Sertão
  • 1956: Grande Sertão: Veredas
  • 1962: Primeiras Estórias
  • 1964: Campo Geral
  • 1967: Tutaméia – Terceiras Estórias
  • 1969: Estas Estórias (póstumo)
  • 1970: Ave, Palavra (póstumo)
  • 2011: Antes das Primeiras Estórias (póstumo)

A maior parte dos livros têm o sertão como pano de fundo, o que reflete o universo sertanejo e toda sua cultura, explorando em detalhes todo o ambiente nas terras que vão desde o sertão baiano a Minas Gerais, passando pelo Centro-Oeste. A recriação da linguagem é outra marca do autor. Utilizando inúmeros recursos, desde a invenção de vocábulos, por vários processos, até arcaísmos e palavras populares, invenções semânticas e sintáticas, ele produziu uma linguagem que não se acomodou à realidade, mas que se tornou um instrumento de captação da mesma, ou de sua recriação, segundo as necessidades do “mundo” do escritor.

Além do prêmio da Academia Brasileira de Letras (ABL) conferido a Magma, Guimarães Rosa recebeu o Prêmio Filipe d’Oliveira pelo livro Sagarana (1946); Grande sertão: Veredas recebeu o Prêmio Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro, o Prêmio Carmen Dolores Barbosa (1956) e o Prêmio Paula Brito (1957); Primeiras Estórias recebeu o Prêmio do PEN Clube do Brasil (1963).

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Guimarães Rosa, na posse na Academia Brasileira de Letras, entre Juscelino Kubisschck e Autrésilo de Athayde

Em 1963, o escritor se candidatou à Academia Brasileira de Letras, sendo eleito em 6 de agosto do mesmo ano como terceiro ocupante da Cadeira 2, na sucessão de João Neves da Fontoura. Contudo, devido a motivações pessoais, ele adiou sua posse por quatro anos. Somente em novembro de 1967, ele decidiu oficializar sua entrada para a ABL e, durante seu discurso de posse, o diplomata disse uma frase que é lembrada até hoje: “… a gente morre é para provar que viveu”, que talvez completasse o sentido de outra famosa frase dele: “… As pessoas não morrem, ficam encantadas”.

Três dias após entrar para a Academia, Guimarães Rosa veio a falecer em seu apartamento, no Rio de Janeiro, em 19 de novembro de 1967.

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Fontes:

Academia Brasileira de Letras (ABL)

Instituto Rio Branco (IRBr)

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